Mercúrio a 50 graus, incêndios devastadores, tornados, falta de água As mudanças climáticas podem gerar tamanha ansiedade que algumas pessoas perdem o sono. Como lidar com esse medo legítimo?
Três quartos dos jovens de 16 a 25 anos em dez países, tanto do Norte quanto do Sul, consideram o futuro “assustador”.
Estudo, conduzido por pesquisadores de universidades britânicas, americanas e finlandesas e financiado pela ONG Avaaz, é baseado em uma pesquisa realizada entre maio e junho pelo Instituto Kantar com 10.000 jovens de 16 a 25 anos em dez países, tanto do Norte quanto Sul (Austrália, Brasil, Estados Unidos, Finlândia, França, Índia, Nigéria, Filipinas, Portugal e Reino Unido). Antes de responder, os participantes desconheciam o tema da pesquisa.
Em detalhes, 59% dos jovens entrevistados dizem que estão “muito” ou “extremamente preocupados” com as mudanças climáticas, enquanto 45% dizem que a ansiedade climática afeta sua vida diária de forma negativa, seja para dormir, comer, estudar, ir à escola ou divirtir-se.
Embora ainda não seja reconhecida como um transtorno mental, a ecoanxiedade está afetando cada vez mais pessoas, observam os psicólogos. No entanto, podemos aprender a administrar esse sofrimento, dizem Catherine Raymond, especialista nos efeitos do estresse no cérebro e pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Psicologia da Universidade do Quebec em Montreal, e Christina Popescu, estudante de doutorado na mesma faculdade, que estuda, entre outras coisas, resiliência em ambientes de situação de estresse.
Nos últimos anos, a preocupação gerada pelos problemas ambientais parece ter aumentado um grau. Especialmente entre os jovens adultos, que chegam a desistir de constituir família porque o futuro lhes parece sombrio. Por que algumas pessoas ficam mais chateadas do que outras com a situação?
Christina Popescu: A tese de doutorado em que estou trabalhando, que se baseia em parte em um questionário que enviei a 260 quebequenses de 18 a 70 anos, trata, entre outras coisas, dos fatores predisponentes à eco-ansiedade. Ainda estou analisando os dados, mas, por enquanto, formulo a hipótese de que a frequência com que alguém é exposto a más notícias climáticas está em questão. Também me interesso pelo conceito de identidade ambiental, que se desenvolveria desde a infância, e que faz a pessoa se sentir conectada à natureza, ao que a rodeia. Quem tem uma forte identidade ambiental pode ser mais afetado pela crise ecológica.
Catherine Raymond: Os estudos realizados até o momento mostram que as pessoas em risco de eco-ansiedade tendem a sentir ansiedade em relação a outros aspectos de suas vidas. É o que emerge dos relatos de psicólogos clínicos, que também observam que adolescentes e adultos jovens são particularmente afetados pelo fenômeno. As reações de seus cérebros são as mesmas das pessoas com transtorno de ansiedade, exceto que os sintomas são desencadeados por questões ecológicas. A genética desempenha um papel no surgimento dessa patologia, em até 30% – ou seja, um filho de pais ansiosos, mas que foi separado deles no nascimento, tem 30% de probabilidade de ter uma personalidade ansiosa também. Mas isso é baixo em comparação com alguns transtornos psiquiátricos, como a bipolaridade, na qual o peso da herança pode ser de até 80%. Portanto, é especialmente o meio que conta aqui: um pequeno que vive entre adultos ansiosos adquire a sensação de que o mundo ao seu redor é perigoso.
Como a eco-ansiedade se manifesta?
Catherine Raymond: Isso varia de pessoa para pessoa, porque estamos todos em um continuum; alguns são um pouco eco-ansiosos e outros, muito, a ponto de prejudicar seu funcionamento físico, cognitivo e emocional. É aqui que parece ansiedade clínica. As pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas passam por uma grande angústia, que pode traduzir-se em insônia, dificuldade de interação social e trabalho; eles também podem estar tristes, agitados, exasperados. Alguns até têm palpitações, como durante num ataque de pânico.
Uma versão preliminar de relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, cuja versão oficial será lançada em 2022, sugere que os impactos do aquecimento se vão acelerar de qualquer maneira. Portanto, há realmente algo com que se preocupar. Como dissipar um medo bem fundado?
Christina Popescu: É um grande desafio conviver com essa realidade no dia a dia. Mas, na minha opinião, bancar o avestruz para se proteger não é a solução. Mesmo com crianças. Estudos indicam que você não deve minimizar a forma como elas se sentem dizendo: “Não é tão ruim assim”. Isso os machuca mais. Em vez disso, é de nosso interesse reconhecer sua aflição e encontrar maneiras de lidar com ela.
FONTES: Marie-Helene Proulx – Revista L’Actualité, 17/07/2021 e Audrey Garric – Jornal Le Monde, 14/09/2021.