Antes pouco conhecida pela população em geral, a Síndrome de Burnout ganhou destaque nas páginas especializadas das publicações a respeito de saúde, após a eclosão da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2. A pandemia provocou uma desadaptação em boa parcela das pessoas envolvidas em atividades profissionalmente ativas, por transferi-las do ambiente de trabalho a que estavam adaptadas para o ambiente das suas próprias casas. Uma reclusão forçada que alterou as características da forma de execução das atividades, do tempo dedicado às ocupações laborais e do trabalho em si.
Uma síndrome, como se sabe é um conjunto de sintomas ou sinais inter-relacionados que indicam uma condição mórbida, uma doença. As condições ambientais a que nos referimos agravaram o que já se conhecia como uma síndrome do esgotamento profissional ou simplesmente burnout e, a nosso ver, ampliaram o espectro de significado da doença, por agregar à condição mórbida outros aspectos além da atividade profissional em si. Em casa, o trabalho passou a dividir espaço com as tarefas domésticas, o atendimento de necessidades familiares, como o acompanhamento das atividades de filhos menores em suas aulas on-line e o cuidado com comportamentos específicos para impedir que o vírus invadisse suas casas.
Agora, a nova versão da CID, a CID 11, em vigor deste 1º de janeiro de 2022, reclassificou a Síndrome de Burnout, considerando-a como uma doença ocupacional e colocando-a na seção de “problemas relacionados com o emprego ou o desemprego”, e atribui-lhe um código novo, o QD85.
O documento − conforme esclarece o artigo de Mônica Tarantino publicado pela Medscape, em 28.01.22 − a define burnout como uma “síndrome concebida como resultante do estresse crônico no contexto laboral que não foi efetivamente administrado. Caracteriza-se por três dimensões:
1) sensação de exaustão ou esgotamento de energia;
2) maior distanciamento mental da atividade laboral e negativismo ou cinismo em relação ao trabalho;
3) Sensação de ineficácia e falta de realização.”
O psicólogo deve estar preparado para reconhecer as especificidades da Síndrome, já que, para além dos sintomas físicos que ela motiva ou agrava − especialmente questões cardiovasculares, circulatórias, reumáticas, alérgicas e glicêmicas −, situam-se condições emocionais importantes. Constitui a clássica situação em que uma síndrome leva a um transtorno. No caso, ela conecta-se a aspectos graves de transtornos de ansiedade ou de transtorno depressivo. As situações depressivas derivadas do burnout, se não tratadas adequadamente, podem levar ao suicídio.
O diagnóstico adequado é fundamental para o tratamento. Para estabelecê-lo o terapeuta precisa, como preconiza a Dra. Alexandrina Meleiro, psiquiatra e vice-coordenadora da Comissão de Atenção à Saúde Mental do Médico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP),
“identificar o nexo causal: o trabalho é a causa (grau 1), o trabalho contribui para a doença (2) ou o trabalho é o provocador de uma doença já existente (grau 3)?”. Ademais, devem ser conhecidos e relevados aspectos como violência no trabalho, assédio moral e discriminação.
Interessante notar que a CID indica que o termo burnout “não deve ser usado para descrever experiências em outras áreas da vida”, devendo restringir-se especificamente a fenômenos do contexto ocupacional. Ora, contexto ocupacional não mais é do que aquele em que se desenvolve uma ocupação, e essa, segundo a significação dada pelos dicionários, é o ato trabalhar em algo ou o trabalho em si, executado ou a executar. Tendo isto, pergunta-se: não é apropriado que os psicoterapeutas, no exercício da atividade comum, ampliem sua consideração dos efeitos do burnout em pessoas que desempenhem tarefas que não especificamente o trabalho burocrático? Não são suscetíveis a aspectos da síndrome a dona de casa e o estudante, por exemplo?
Ainda que o adoecimento mental não correlacionável à seção de “problemas relacionados com o emprego ou o desemprego” iniba o diagnóstico de burnout, pessoas existem cuja sintomatologia se enquadra perfeitamente à descrição da síndrome. O bom trabalho terapêutico indica e permite valer-se de uma “carona” nos aspectos do burnout para uma adequada conceitualização do caso a ser tratado.