ArtigosDurante o sexo, onde você está?

Durante o sexo, onde você está?

Mentes divagantes tornam as pessoas infelizes

Esta foi a conclusão de um, dentre muitos estudos (1) que, desde o início da década passada, vêm alertando a sociedade para o crescente fenômeno que desde então se instala, de forma generalizada, nos mais diversos segmentos populacionais do Planeta.

Segundo tal estudo, gastamos quase metade do nosso tempo (46,9%) imaginando que gostaríamos de estar em algum outro lugar ou fazendo alguma outra coisa. Os resultados demonstram que só 4,6% da felicidade das pessoas em determinado momento é atribuível à atividade específica por ela desenvolvida naquele momento.

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Seus autores afirmam que a dispersão, “ é uma conquista cognitiva, mas tem um custo emocional”, custo este que hoje constatamos ser muito mais elevado do que aparentava ser. Com o passar do tempo, nossa mente divaga cada vez mais…

Excesso de estímulos contribui para a diminuição de libido e provoca a sensação de que é preciso cumprir metas no desempenho sexual.

No cenário de hiperconectividade em que vivemos, hoje agravado pelas circunstâncias da pandemia, a exposição exagerada aos meios eletrônicos e as estressantes exigências do teletrabalho sequestram-nos o tempo livre que antes nos propiciava momentos de intimidade.

A relação promíscua entre a realidade e o mundo virtual, assim como o rompimento de limites entre a vida doméstica e as atividades laborais, faz avultar a percepção equivocada de o sexo satisfatório só é validado quando atinge a “meta” do orgasmo, desprezando-se o prazer pelo processo e priorizando-se os “objetivos”. Assim, o foco no mais das vezes se desloca para o resultado, em detrimento do momento presente.

Nos últimos tempos, o desejo sexual espontâneo tem diminuído e os distúrbios nesta área têm aumentado acentuadamente

De acordo com as estatísticas atualmente disponíveis, no âmbito da pesquisa nacional de atitudes e estilos de vida sexuais — que vem sendo realizada com adultos entre 16 e 74 anos, no Reino Unido, ao longo dos últimos trinta anos (2) —, em 1990 os casais de 16 a 64 anos faziam sexo cinco vezes por mês, média que diminuiu para quatro vezes por mês em 2000, e três em 2010. Em 20 anos, a frequência caiu 40%.  Embora ainda não tenhamos os índices referentes á última década, os especialistas não creem que atualmente as evidências apontem para números mais animadores, conforme indicam alguns estudos mais recentes (3).

No Brasil, por exemplo, 45% dos internautas pesquisados reduziram o número de relações sexuais durante a pandemia (4).

Por outro lado, o imediatismo trazido pelas respostas rápidas na internet e pelos avanços da computação cognitiva, aliado a transtornos de ansiedade e a fatores de estresse da vida cotidiana, tem proporcionado significativo agravamento de uma série de psicopatologias, somatizações e comorbidades.

Dentre estas, ressaltam perturbações, associadas a anorgasmia (ausência de orgasmo), dispareunia (dor com a penetração) e dificuldades de excitação, nas mulheres; bem como disfunção erétil e ejaculação precoce, nos homens.

Estima-se que quase metade dos portugueses tenha problemas sexuais (5). No Brasil, o quadro é muito semelhante: pesquisa publicada pelo Datafolha, em julho de 2021 a pedido da startup Omens, com 1.813 brasileiros de 18 a 70 anos, mostrou que 38% dos participantes tiveram “algum tipo de disfunção erétil nos últimos 2 anos”.

Como o mindfulness pode ajudar para alcançar orgasmo, autoestima, bem-estar, harmonia e satisfação sexual de casais?

Em palestra assistida por quase um milhão de espectadores (6), a escritora norte-americana Diana Richardson referiu-se a “mindfilled sex” (sexo com a cabeça cheia) para descrever a forma como normalmente fazemos sexo. Ela propõe o seguinte: “E se utilizarmos a cabeça, para estarmos presentes, com consciência do corpo, e não perdidos em nossos pensamentos? … Se voltássemos nossa atenção, como na meditação, para dentro do corpo? Ela argumenta que assim usaríamos “o corpo inteiro como um órgão sensitivo”. E sugere ser esta uma solução, para os casos de disfunção, ejaculação precoce ou dispareunia, “centrar-se no jogo, no prazer, tirando os aspectos que significam ameaça”.

Das centenas de estudos científicos que são mensalmente divulgados a respeito da comprovação de eficácia na prática de mindfulness, cabe destacar a recente pesquisa desenvolvida pela equipe liderada por Chelom Leavitt, PhD, publicada em agosto de 2021, cujos resultados demonstram que “a atenção plena sexual pode fornecer um recurso valioso para casais que estão trabalhando para melhorar sua conexão e significado em seus relacionamentos românticos e sexuais” (7).

Não é novidade.

De origem budista, a prática de mindfulness vêm sendo utilizada cientificamente no Ocidente, desde 1979, para tratar transtornos psicológicos — como ansiedade, bulimia, depressão, dependência química — e doenças físicas, principalmente no enfrentamento da dor e de todos os males influenciadas pelo estresse, desde a hipertensão, ao cancro.

Nas palavras de seu precursor, Jon Kabat-Zinn, “Mindfulness, aumenta a atenção, a concentração e a produtividade, diminuindo o estresse. A prática consiste em se concentrar na respiração, na sensação corporal, observando quando a mente começa a divagar, e tentar redirecionar a atenção às sensações”.

Também fortalece do nosso sistema imunológico, ajuda a dormirmos melhor e diminui a produção de cortisol (hormônio que favorece o estresse). Além disso, eleva nossa capacidade de aprendizado e aumenta os níveis de compaixão e empatia.

O psiquiatra e cientista Javier García Campayo afirma já haver “vários estudos que demonstram que pessoas que praticam mindfulness, em comparação com as pessoas que não o fazem, têm relações sexuais mais satisfatórias em geral e com um nível de desfrute maior”. Diz que estes praticantes padecem menos de alguns dos problemas acima mencionados, como impotência, diminuição do desejo sexual, anorgasmia e ejaculação precoce, para além, claro, da higidez cardiovascular, entre os inúmeros outros benefícios já comentados.

Parece, portanto, que a atenção plena, a consciência, a aceitação e o não julgamento podem ser uma ferramenta importante para ajudar a manter o bem-estar relacional e sexual. 

Sua prática continuada contribui para o crescimento pessoal; para o compartilhamento de objetivos dentro do relacionamento; para a harmonia, integração e complementaridade quanto à sexualidade do(a) parceiro(a), em prol de estimular e prolongar um erotismo mais consciente e um relacionamento mais intencional e duradouro, significativamente integrado aos demais aspectos da vida.

É possível treinar a mente para viver a experiência sexual de forma intensa

Graças à plasticidade neuronal, podemos exercitar nosso cérebro, facilitando as sinapses que nos convêm, tal como podemos exercitar os músculos do nosso corpo.

Trata-se de explorar um fenômeno natural que consiste no desenvolvimento de novos neurônios, interações e impulsos, em resposta a práticas repetidas.

No momento do prazer, entregue-se, desacelere, sem crítica nem julgamento. Concentre-se na respiração; foque no toque; sinta e entre em sintonia com o corpo do(a) parceiro(a); perceba o ambiente, os aromas, o tato, o aqui e o agora da relação…

A prática habitual da atenção plena, ao fazer amor, propicia um nível cada vez maior de intimidade e de sintonia entre o casal, independente da identidade de gênero ou da orientação sexual dos praticantes.

Trata-se, simplesmente, de usar todos os recursos para canalizar gentilmente as energias; para entrar em contato com os sentimentos mais profundos e as emoções mais verdadeiras. Com aceitação, curiosidade e dedicação exclusiva ao momento presente.

REFERÊNCIAS:

(1) Matthew Killingsworth e Daniel Gilbert, Universidade Harvard, revista Science, novembro de 2010

(2) David Spiegelhalter, Universidade de Cambridge, National Surveys of Sexual Attitudes and Lifestyles, UK – 2012.

(3) The Journal of Sexual Medicine – Declining Sexual Activity and Desire in Men – Findings from Representative German Surveys, 2005 and 2016.

(4) Instituto Datafolha – UOL, 23/11/2021.

(5) Pedro Nobre, Ana Gomes e Manuela Peixoto, Sexlab, Universidade do Porto, Jornal O Público / Saúde – 4 de setembro de 2018.

(6) Diana Richardson – The Power of Mindful Sex, YouTube – TEDx, abril de 2020.

(7) Leavitt, C.E., Maurer, T.F., Clyde, T.L. et al. Linking Sexual Mindfulness to Mixed-Sex Couples’ Relational Flourishing, Sexual Harmony, and Orgasm. Archives of Sexual Behavior (2021).

Autor

Cyro Portocarrero
Cyro Portocarrero
CEO da TV PSI Bacharel em Direito e Doutor em Ciência Política, com especialização em Análise de Processo Legislativo, desempenhou diversas funções de Estado na Administração Pública brasileira e aposentou-se como servidor efetivo de carreira do Senado Federal, com mais de 30 anos de trabalho, muitos dos quais dedicados ao Parlamento Latino-Americano. Integra o quadro de Imortais, “de notória competência e saber” da ANE – Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais.

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